Preexistencialismo, Criacionismo e Traducionismo.
Mas é muito complicado tentar responder a pergunta: “De onde veio a alma deste indivíduo?“. Tentar responder essa pergunta não é uma atitude recente. Cristãos antes de nós já o tentaram fazer, mas todos de maneira insuficiente. Assim, é importante reconhecer as diversas opiniões sobre o assunto.
A. Preexistencialismo
A teoria da preexistência é uma tentativa de responder a pergunta em pauta de uma perspectiva especulativa. Para os defensores do preexistencialismo, as almas dos homens já existiam em um estado anterior, e qualquer deficiência moral que demonstrasse neste estado, teria grande implicação na vida material desta alma (espiritismo, panteísmo). Alguns ícones teológicos desse pensamento são: Orígenes, Scotus Erígena e Júlio Muller.
Em alguns dos representantes da filosofia grega que adotavam esse ponto de vista, como Platão e Filo, pode-se encontrar razões diferentes. Platão tinha em mente explicar que a Alma possui informações e conhecimentos não derivados dos sentidos. Filo, pretendia compreender a prisão de sua vida, o corpo. Esses pensamentos acabaram por influenciar Orígenes, que tentou explicar a disparidade de condições em que os homens entram no mundo.
Nas formas mais modernas desse pensamento, podemos encontrar Kant e Júlio Müler. Para eles a depravação da vontade, ou sua deficiência moral, só pode ser real a partir de um ato pessoal de autodeterminação em um estado anterior ao da vida material. Assim, todos os homens que vivem materialmente, tem suas definições finais determinadas por esse ato pré-temporal.
Objeções à teoria da preexistência
Podemos fazer as seguintes objeções à este pensamento:
Em primeiro lugar essa corrente ideológica é vazia de bases bíblicas e filosóficas (Berkhof);
Esse pensamento tem origem na visão dualista entre matéria e espírito, ensinado pela filosofia pagã; (Berkhof)
Se a alma é preexistente, e apenas um ato consciente de autodeterminação poderia explicar as deficiências morais do homem, como não temos a menor lembrança desse estágio? (Strong)
Se a alma é preexistente, mas não é consciente de sua existência nem pessoal para tomar decisões, ela deixa de explicar as deficiências morais do homem; (Strong)
A existência anterior não tem qualquer fundamento escriturístico;
Conflitante com a perspectiva bíblica sobre punição eterna;
B. Criacionismo
A teoria criacionista afirma que Deus cria diariamente almas para acoplar em corpos que estão sendo gerados. A tentativa desta teoria é responder a pergunta em pauta de uma perspectiva filosófica, mas com fundamentação bíblica. Alguns teólogos que defendem tal posição são: Berkhof, Hodge, Jerônimo e Pelágio.
Os dois últimos são símbolos de uma geração antiga de pensadores cristãos, que influenciados pelos pensamentos de Aristóteles, chegaram a conclusão que Deus criou imediatamente a alma de cada ser humano e a uniu a um corpo, na concepção, no nascimento, ou em algum momento entre esses dois eventos.
Hodge e Berkhof tem pensamento semelhante ao demonstrado acima. Sobre isso Berkhof afirma que “cada alma individualmente deve ser considerada como uma imediata criação de Deus, devendo sua origem a um ato criador direto, cuja ocasião não se pode determinar com precisão“.
Argumentos a favor do criacionismo
Normalmente são encontrados três grandes argumentos em prol deste pensamento:
Na criação é demonstrada que existe diferença entre a origem do corpo e da alma. No decorrer das evidências bíblicas é possível notar que sempre existe algum tipo de separação entre esses dois aspectos (Z.21.1; Is.42.5, Nm.16.22; Hb.12.9);
Este pensamento esmera-se em manter una a alma, visto que é indivisível;
No tocante a Jesus Cristo, como homem completo, o pensamento responde de melhor maneira o fato de que Cristo não participou do pecado;
Objeções à teoria Criacionista
Como observado, o criacionismo é, em síntese, a declaração da criação direta de Deus para cada alma. Sobre isso pode-se objetar que:
Se Deus é o responsável pela criação das almas, e estas tem tendências depravadas, faz com que Deus seja diretamente autor do mal moral;
Se as almas são criadas absolutamente puras, Deus é culpado indiretamente pela criação do mal moral, pois permite que uma alma pura venha a se perverter em um corpo depravado que, com obviedade, a corromperia;
Se o pai natural é apenas responsável pelo corpo, os animais tem maior dignidade que os homens, pois reproduzem segundo sua própria imagem;
A atividade criadora de Deus parece ter sido interrompida após a criação do homem, completo com alma.
A criação de Eva é bem demonstrada pelo escritor bíblico. Nesta criação não se fala nada sobre a origem da alma da Eva;
C. Traducionismo
O traducionismo responde a pergunta em pauta a partir de uma perspectiva tanto bíblica como filosófica. Entretanto, as considerações do traducionismo encontram mais fortes evidências na literatura bíblica, ao contrário do criacionismo. Porém é valido demonstrar que o traducionismo e o criacionismo são opções encontradas na história da igreja, e em ambos lados é defendida por cristãos. O criacionismo foi a teoria grandemente aceita pelo oriente, enquanto o traducionismo, pelo ocidente. Segundo Chafer, “a questão sempre foi de opinião pessoal e não tem como base uma separação teológica” (Vol. II, pp.582).
O traducionismo afirma que “a raça humana foi criada imediatamente em Adão e, com relação tanto ao corpo como à alma, propagou-se a partir dele por geração natural, e todas as almas desde Adão são apenas mediatamente criadas por Deus, o sustentador das leis de propagação que foram originariamente estabelecidas por ele[1]“. Ou seja, a alma tem origem a partir do momento da concepção, em um processo natural, e são transmitidas de pais para filhos. Alguns dos representantes dessa corrente são: Tertuliano, Rufino, Apolinário, Gregório de Nissa, Lutero, H.B. Smith, Augustus Hopkins e Charles Ryrie.
Argumentos a favor do traducionismo
Vários argumentos poderiam ser demonstrados, tais como:
Está em harmonia com o relato da criação, pois Deus soprou uma única vez o fôlego da vida no homem, e deixou que ele se reproduzisse (Gn.1.28, 2.7); a criação da alma de Eva estava incluída na de Adão (Gn.2.23; cf. 1Co.11.8);
A bíblia afirma que os descendentes foram formados da carne de seus pais (Gn.46.26; Hb.7.9, 10; cf. Jo.3.6, 1.13; Rm.1.3; At.17.26)
Explica de maneira mais satisfatória a transmissão da depravação moral e espiritual, que é assunto da alma, e não do corpo;
Objeções à teoria Traducionista
Vários argumentos poderiam ser demonstrados, tais como:
Se Deus só age mediadamente em relação a sua obra criativa, após a criação, que será, então a regeneração?
“A teoria leva a dificuldades insuperáveis a cristologia. Se em Adão a natureza pecou globalmente, e esse pecado foi, portanto, o verdadeiro pecado de cada parte dessa natureza, não se pode fugir a conclusão de que a natureza humana de Cristo também foi pecadora e culpada, porque teria pecado de fato em Adão” (Berkhof, pp.183).
D. Um convite à Cautela
Como foi demonstrado, dentre as variantes consideráveis como resposta à questão que reporta-se à origem da alma, apenas uma é completamente descartável, a preexistência, visto ser repleta de falácias filosóficas e raízes lançadas em um panteísmo oriental, que em formas modernas atinge o espiritismo. Entretanto, o traducionismo e o criacionismo tem formas mais aceitáveis, embora sejam contraditórias entre si.
É notório que não existe respaldo bíblico suficiente e definitivo em favor nem de uma nem de outra teoria, e que logicamente ambas podem ser sustentados com louvor, o correto é apelar para uma tentativa de cautela no estudo destes fatos. Charles Swindoll, em seu livro “O mistério da vontade de Deus” afirma que “o problema dos jovens teólogos é que eles querem desvendar o inescrutável“. Uma vez que não temos tamanha clareza a partir dos relatos bíblicos, não devemos buscar sabedoria além do que por Deus foi dado a conhecer em sua revelação.
Entretanto, deve-se ressaltar que o traducionismo merece maior consideração visto que reporta-se melhor ao testemunho das escrituras a respeito deste fato. As explicações a favor do traducionismo são superiores às suas objeções. E suas objeções tem resposta bíblica, sem que seja necessário interpolação teológica para obtê-la.
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A. A doutrina do Homem na Dogmática.
A transição da teologia (teontologia) para a antropologia, isto é, do estudo de Deus para o estudo do homem, é natural. O homem não é somente a coroa da criação, mas também é objeto de um especial cuidado de Deus. E a revelação de Deus na Escritura é uma revelação dada não somente ao homem, mas na qual o homem é de interesse vital. Não é uma revelação de Deus no abstrato, mas uma revelação de Deus em relação às Suas criaturas, e particularmente em relação ao homem. É um registro dos procedimentos de Deus para com a raça humana, e especialmente uma revelação da redenção que Deus preparou para o homem e para a qual Deus procura preparar o homem. Isto explica por que o homem ocupa um lugar de central de importância na escritura, e por que o conhecimento do homem em relação a Deus é essencial para entendê-la adequadamente.
A doutrina do homem deve seguir-se imediatamente à de Deus, dado que o conhecimento dela é pressuposto em todas as partes subseqüentes da dogmática.
Não confundamos a antropologia bíblica com a antropologia geral ou ciência da humanidade, que inclui todas as ciências que têm os homens como o objeto de estudo. Estas ciências ocupam-se da origem e história da humanidade, da estrutura fisiológica e das características psíquicas do homem em geral e das várias raças da humanidade em particular, com o seu desenvolvimento etnológico, lingüístico, cultural e religioso, e assim por diante. A antropologia teológica ocupa-se unicamente do que a Bíblia diz a respeito do homem e da relação em que ele está e deve estar com Deus. Ela só reconhece a Escritura como a sua fonte, e examina os ensinamentos da experiência humana à luz da palavra de Deus.
B. Relato Bíblico da Origem do Homem.
A Escritura nos oferece um duplo relato da criação do homem, um em Gn 1.26, 27, e outro em Gn 2.7, 21-23. As palavras introdutórias da narrativa que começa em Gn 2.4, “Estas são as gerações dos céus e da terra, quando foram criados”, vistas à luz do repetido uso das palavras, “estas são as gerações” (Toledoth) no Livro de Gênesis, indicam o fato de que temos aí algo completamente diverso. A expressão indica invariavelmente, não a origem ou o princípio das pessoas mencionadas, mas a sua história familial. A primeira narrativa contém o relato da criação de todas as coisas na ordem em que ocorreu, enquanto que a segunda agrupa as coisas em sua relação com o homem, sem nada implicar com respeito à ordem cronológica do aparecimento do homem na obra criadora de Deus, e indica claramente que tudo que o precedeu serviu para preparar uma adequada habitação para o homem como o rei da criação. Ela nos mostra como o homem foi colocado na criação, rodeado pelo mundo vegetal e animal, e como ele iniciou a sua história.
Há certas particularidades que fazem a criação do homem sobressair-se em distinção à dos outros seres vivos:
1. A CRIAÇÃO DO HOMEM FOI PRECEDIDA PELO CONSELHO DIVINO.
Antes de registrar a criação do homem, Moisés faz menção ao conselho de Deus, dando-nos a conhecer o decreto divino ao escrever: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança”, Gn 1.26. Geralmente a igreja tem interpretado o plural com base na existência trinitária de Deus. Entretanto, alguns eruditos o consideram como plural de majestade; outros, como plural de comunicação, no qual Deus inclui os anjos juntamente com Ele; e ainda outros, como plural de auto-exortação. Destas três sugestões, a primeira é muito improvável, visto que o plural de majestade originou-se em data muito posterior; a segunda é impossível, porque implicaria que os anjos foram co-criadores com Deus, e que o homem foi criado à imagem dos anjos também, o que é uma idéia antibíblica; e a terceira é uma pressuposição inteiramente gratuita, à qual não se pode atribuir nenhuma razão. A razão da forma plural é apresentar-nos o conselho da Trindade em ação na criação do homem.
2. A CRIAÇÃO DO HOMEM FOI UM ATO IMEDIATO DE DEUS.
Algumas das expressões utilizadas na narrativa anterior à da criação do homem, indicam criação mediata (Deus utiliza algum meio). Notem-se as seguintes expressões: “Produza a terra relva, ervas que dêem semente, e árvores frutíferas que dêem fruto segundo a sua espécie” (Gn 1.11), “Povoem-se as águas de enxames de seres viventes” (Gn 1.20), “Produza a terra seres viventes, conforme a sua espécie” (Gn 1.24), e comparem-se com a simples declaração: “Criou Deus, pois o homem” (Gn 1.26). Seja qual for a indicação de mediação na obra da criação, contida nas primeiras expressões, falta por completo na última. Evidentemente, a obra de Deus na criação do homem não foi mediata, em nenhum sentido da palavra. Embora seja dito que Deus tenha feito uso de material preexistente na formação do corpo humano (Gn 2.7), isso não acontece quanto à criação de sua alma.
3. EM DISTINÇÃO DAS DEMAIS CRIATURAS O HOMEM FOI CRIADO CONFORME UM TIPO DIVINO.
No que diz respeito aos peixes, às aves e aos animais, lemos que Deus os criou segundo a sua espécie, numa forma típica da deles próprios. O homem, porém, não foi criado assim, e muito menos segundo o tipo de uma criatura inferior. Quanto a ele, disse Deus: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança”. Veremos o que isto implica quando discutirmos a condição original do homem, e aqui apenas chama-se a atenção para isso com o fim de expor o fato de que, na narrativa da criação, a criação do homem sobressai como uma coisa distintamente característica.
4. A NATUREZA HUMANA FOI CRIADA COMPONDO-SE CLARAMENTE DE DOIS ELEMENTOS DISTINTOS.
Em Gn 2.7 faz-se clara distinção entre a origem do corpo e a da alma. O corpo foi formado do pó da terra; na sua produção Deus fez uso de material preexistente. Na criação da alma, porém, não houve modelagem de materiais preexistentes, mas a produção de uma nova substância. A alma do homem foi uma nova produção de Deus, no sentido estrito da palavra, Jeová “lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente”. Com estas simples palavras afirma-se a dupla natureza do homem, e o que elas nos ensinam é corroborado por outras passagens da Escritura, como Ec 12.7; Mt 10.28; Lc 8.55; 2 Co 5.1-8; Fp 1.22-24; Hb 12.9. Os dois elementos são o corpo e o sopro ou espírito de vida nele soprado por Deus, e com a combinação dos dois o homem se tornou “alma vivente”, o que neste contexto significa simplesmente “ser vivo”.
5. O HOMEM É IMEDIATAMENTE COLOCADO NUMA POSIÇÃO EXALTADA.
O homem é descrito como alguém que está no ápice de todas as ordens criadas. Foi coroado como rei da criação inferior (animais; vegetais; minerais) e recebeu domínio sobre todas as criaturas inferiores. Como tal, foi seu dever e privilégio tornar toda natureza e todos os seres criados, que foram colocados sob seu governo, subservientes à sua vontade a o seu propósito, para que ele e todos os seus gloriosos domínios magnificassem o onipotente Criador e Senhor do universo, Gn 1.28; Sl 8.4-9.
Bibliografia: Teologia Sistemática, Louis Bekhof, ECC, p. 172 a 174
E QUAL SERIA A RESPOSTA DIANTE A PERGUNTA!
DO QUE O HOMEM FOI CRIADO?